Quantcast
Channel: Prazer, me chamo Livro
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1006

A Ilha dos Dissidentes - Bárbara Morais

$
0
0

Título: A Ilha dos Dissidentes (Trilogia Anômalos #1)
Autor(a): Bárbara Morais
Editora: Gutenberg


Ser levada para uma cidade especial não estava nos planos de Sybil. Tudo o que ela mais queria era sair de Kali, zona paupérrima da guerra entre a União e o Império do Sol, e não precisar entrar para o exército. Mas ela nunca imaginou que pudesse ser um dos anômalos, um grupo especial de pessoas com mutações genéticas que os fazia ter habilidades sobre-humanas inacreditáveis. Como única sobrevivente de um naufrágio, ela agora irá se juntar a uma família adotiva na maior cidade de mutantes do continente e precisará se adaptar a uma nova realidade. E logo aprenderá que ser diferente pode ser ainda mais difícil que viver em um mundo em guerra.

Sabe aqueles livros que você pega pra ler sem saber nada da história? Assim foi comigo em A Ilha dos Dissidentes. Quis saber o que a menina de cabelos enrolados e carinha de nerd tinha escrito. Tá, eu sabia que era distopia, mas não imaginava que tinha tantas outras coisas envolvidas e envolventes.

A primeira surpresa veio com o plot. Uma distopia, sim, mas com uma pitada de superpoderes. Os anômalos são pessoas que sofreram mutação genética e adquiriram poderes como telepatia, força sobrenatural, capacidade de atravessar paredes, etc. Nossa protagonista, Sybil, não se afoga e não sente frio quando molhada. Mas quem é ela? Sybil é órfã e cresceu num orfanato na cidade de Kali, uma zona de guerra. Ela se inscreve para se mudar para uma zona de refugiados e, na viagem, sofre um naufrágio, do qual é a única sobrevivente, só então descobrindo que é anômala.

É meio difícil acreditar que realmente sou uma deles. Uma anômala. Uma aberração. Nos ensinam na escola que o início de tudo foi quase trezentos anos atrás, quando a guerra começou. Quando as regiões da União foram atacadas com armas químicas pelos dissidentes, os habitantes do Império do Sol, a resposta foi cmo armas nucleares. A teoria mais aceita é que a mistura dos dois com a tempestade solar mais forte dos últimos milênios causou algum tipo de anomalia em humanos de várias regiões, fazendo com que seus códigos genéticos se modificassem em uma escala muito maior do que a comum. Avançando oitenta anos no tempo, depois de várias mortes por doenças causadas pelos sucessivos ataques químicos e biológicos, a população mundial foi praticamente dizimada, restando apenas alguns sobrevivente e as aberrações.

O governo tem controle sobre os anômalos, já que são considerados como aberrações, por isso têm cidades próprias e ambientes nos quais não podem entrar. E - pior! - sentem-se em dívida com a sociedade, como se precisassem compensar sua anomalia com serviços ao exército. Mas em toda boa distopia sempre há aquela que não se conforma com as imposições governamentais, não é mesmo?

De onde venho, pessoas com habilidades fora do comum são recrutadas pelo exército imediatamente, independentemente da idade e da vontade. A maior parte das pessoas aceita sem relutar, acreditando ser seu dever como cidadão. Mas a verdade é que somos educados a pensar assim desde a infância. Jamais me pareceu certo, porém isso nunca foi uma preocupação para mim.

A mudança de vida de Sybil não se restringiu à descoberta de seus poderes; ela também foi adotada por Rubi, que já morava com Dimitri (irmão) e Tomás (filho). Ela também passou a frequentar a escola e lá escolheu cursar Técnicas Especiais, uma matéria desejada por muitos alunos, mas frequentada por poucos. Como não querer entrar para uma turma cheia de segredos?

São três regras muito simples: você não diz para ninguém o que se passa por aqui. Você não faz alarde que é parte desta turma. E você sempre respeita os outros membros. Se você descumpri-las, sua vida vai virar um inferno, certo?

Durante as aulas, ela se destaca e é selecionada para uma missão, acompanhada de Leon, Andrei e Ava. Gostei tanto desses personagens que preciso falar deles. Leon é cego, mas seus outros sentidos são aguçadíssimos - sente vibrações no solo, escuta melhor do que qualquer um, impressionante! Seus segredos por vezes o atormentam, mas em geral ele é um bom companheiro. Andrei também tem habilidades aquática, mas, ao contrário de Sybil, consegue se locomover muito rápido. Se fazer piadas e implicar com os outros também fosse considerado habilidade, ele poderia dizer que tinha outro superpoder. rs E Ava é uma menina toda musculosa, forte, mas que não consegue fazer amigos por causa da sua aparência bruta. 4 pessoas com personalidades diferentes que precisam alinhar os pensamentos e ações para cumprir uma missão arriscadíssima.

Desde o começo Sybil tem uma visão diferenciada da sua realidade e sociedade. Provavelmente isso se deve ao sofrimento da zona de guerra e ao trauma de ter presenciado várias mortes no naufrágio. Ela é racional, avalia riscos e possibilidades, não confia fácil nas pessoas, sempre com aquela desconfiança de que algo está errado.

Qual é o tipo de obrigação moral que nos impele a ser a "proteção suprema da nação?" Se você é anômalo, você faz o que foi mandado. É o mínimo que podemos fazer para compensar o fardo que representamos para a raça humana. Pela primeira vez, consigo ver tudo com mais clareza. Pela primeira vez, me sinto um soldadinho de brinquedo nas mãos de uma criança cruel.

O livro é composto por capítulos curtos, o que por si só já nos incentiva a ler "só mais um". Foi isso que sustentou minha leitura na primeira metade, que foi a introdução ao mundo criado e à vida da personagem. Do meio pra lá, as coisas dão uma acelerada e engrenam bem. Não consegui desgrudar porque ao final de cada capítulo tem um cliffhanger que praticamente me obrigou a continuar. E a escrita da Bárbara é fluida, bem jovem, como se a Sybil estivesse conversando com a gente.

No início do livro, tive um pouco de dificuldade de relacionar os personagens, já que são muitos, mas aos poucos fui me adaptando e entendendo. Só espero que na continuação tenha referências para me ajudar a lembrar de todos eles. Houve um ensaio de romance, mas nada concreto. Sou romântica, é claro que torço por um casal em qualquer livro, mas não senti falta de algo explícito.

Gostei, das referências intertextuais que esporadicamente apareciam, como mitologia (as cidades tinham nomes de deuses) e história (o navio naufragado se chamava Titanic III), que também serviram para mesclar os mundos fantástico e real.

Quero entender melhor a parte política da história e estou curiosa pra saber como a autora irá abordar a questão da diferença de tratamento entre anômalos e normais. Eu gosto de viajar e comparar a distopia com a realidade. Por exemplo, neste livro, dá pra gente fazer um paralelo com os preconceitos da nossa sociedade: os anômalos sendo tratados mal, com restrições e obrigações, enquanto os normais levam uma vida bem mais tranquila. Também tem a questão da diferença social, pois nas cidades há abundância de recursos enquanto as zonas de guerra sofrem com fome e falta de materiais básicos. Enfim... vamos esperar os próximos pra ver as críticas sociais sendo aprofundadas.

Nós somos basicamente tratados como armas pelos nossos superiores e não como pessoas. Você sabe, é o único motivo pelo qual nos deixam treinar e desenvolver nossas habilidades. Para que possamos ajudá-los na guerra idiota que travam há décadas.

Eu costumo ser chata com séries quando os livros não têm um fechamento individual. Isso não acontece em A Ilha dos Dissidentes. A história se fecha, ainda que inúmeras pontas soltas pra serem amarradas nos próximos livros. Fiquei cheia de perguntas, mas satisfeita com a conclusão do volume em si. Algumas pistas foram deixadas no final, mas pra ter certeza se pensamos certo só lendo o próximo.

Amei a capa simples e significativa. E o bacana é que esse A criou uma identidade para os próximos livros. A revisão está satisfatória, assim como a diagramação.

Olho para a loja mais uma vez e lá está ele colado ao vidro da porta de entrada, o aviso que eu sempre tinha ignorado antes. O aviso que não existe em Pandora: o grande A amarelo dentro de um círculo e cortado ao meio. Proibida a entrada de aberrações.

Bárbara Morais estreou muito bem, mostrando que jovem, brasileiro e nerd (e a combinação desses 3) sabe criar uma história boa. Se você gosta de distopia, aventure-se! Se você tem preconceitos com a literatura nacional, arrisque-se! Se você quer ler uma história bacana, não perca tempo!

Viewing all articles
Browse latest Browse all 1006