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O amor nos tempos do ouro - Marina Carvalho

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Título: O amor nos tempos do ouro
Autor(a): Marina Carvalho
Editora: Globo Alt
Nº de páginas: 328
Onde comprar:Submarino | Saraiva | Americanas | Fnac | Cultura
Nota:

"Sabes que nunca me apaixonei, maman, mas se porventura o tivesse feito, seria por alguém como ele?"
Cécile Lavigne perdeu todos os que amava e agora está sozinha no mundo. Ela, uma franco-portuguesa que ainda não completou vinte anos, está sendo trazida ao Brasil pelo único parente que lhe restou, o ambicioso tio Euzébio, para casar-se com o mais poderoso dono de terras de Minas Gerais, homem por quem Cécile sente profundo desprezo. Após desembarcar no Rio de Janeiro, Cécile ainda precisará fazer mais uma difícil viagem. O trajeto até Minas Gerais lhe reserva provações e surpresas que ela jamais imaginaria. O explorador Fernão, contratado por seu futuro marido para guiá-la na jornada, despertará nela sentimentos contraditórios de repulsa e de desejo. Antes de enfim consolidar o temido casamento, Cécile descobrirá todos os encantos e perigos que existem nessa nova terra, assim como os que habitam o coração de todos nós. Com o passar dos dias, crescerá dentro dela a coragem para confrontar todas as imposições da sociedade e também o seu próprio destino.

Dessa vez vou tentar ser bem rápida no meu resumo porque tenho várias coisas a falar sobre o livro. rsrsrs!

Cécile é uma francesa que foi criada pelos pais com conceitos de igualdade e respeito, com livros e pensamentos inovadores, mas perdeu toda a família em um trágico acidente. Ela foi mandada para o Brasil para morar com o tio, que - ambicioso que só, logo providenciou um casamento para a sobrinha com um velho e poderoso senhor de terras da colônia, a fim de ter acesso à herança. Mas Cécile não consegue se imaginar casada com o noivo a quem está prometida, um homem cruel, que se acha acima de tudo e todos.

As coisas pioram durante a viagem. As condições das estradas não eram muito boas por volta do século XVIII: o trajeto é perigoso, desconfortável e pode ter muitas surpresas, como ataques de índios ou animais. Para garantir a segurança da dama, Fernão foi contratado. Ele é um português que se aventurou na colônia e trabalha prestando serviços - nem sempre muito honestos - aos senhores, mas agora está decidido a largar a vida de trabalhos errados e viver tranquilamente nas terras que comprou com o dinheiro acumulado, mas Cécile muda seus planos. No começo, ele a enxerga como a aristocrata metida que só quer enriquecer com o casamento. Ela também inicialmente o acha um bronco, de coração e fala duros. Mas o convívio e as ações de ambos vão mostrando a essência de cada um e mostrando que a primeira impressão pode estar errada.

A cada dia ao lado daquela mulher, desfaziam-se as primeiras (e não muito boas) impressões a seus respeito, uma a uma. E o explorador mal sabia como lidar com essas novas constatações.

Preciso falar que esse livro foi um tanto dúbio pra mim. Sou o tipo de pessoa que prova a comida que não gosta em todas as oportunidades que pode, porque vai que eu resolvi mudar de gosto? Foi assim que descobri, aos 25 anos, que consigo comer tomate e cupuaçu. Tá, mas o que isso tem a ver com a resenha? Pois bem, já tinha lido 1 conto e 2 livros da Marina; o primeiro foi de boa, mas a história da Ana... socorro! Não rolou, nem com muita boa vontade. Muita imaturidade, cheia de buracos, vários problemas no enredo... Nem me arrisquei a ler Elena, mas quando soube de O amor, decidi que daria outra chance. Romance de época sempre dá aquela fisgadinha no meu coração, se passando em terras brasileiras? Claro que eu ia ler!

Esse foi o primeiro ponto de destaque. Nada de duques, condes e nobres. Aqui a gente encontra senhores de terra, escravos, feitores, índios... É a realidade da colônia, já saturada da cana e recém-descoberta como uma mina de ouro. Logo no começo há uma nota da autora contando sobre as adaptações que precisou fazer e as pesquisas realizadas no período de escrita, mas mesmo que não houvesse nada daquilo daria pra perceber que ela se dedicou para escrever coisas condizentes com a História do Brasil. E que delícia ler um gênero que eu amo se passando na minha terra!

Outro ponto forte foi a mistura de raças, credos e classes. A narrativa é em terceira pessoa e foca principalmente em Cécile e Fernão, mas às vezes mostra personagens coadjuvantes, como alguns escravos. Estavam presentes o catolicismo e as religiões africanas; os brancos, os negros e os indígenas; o luxo da casa grande, as condições subumanas dos escravos, as dificuldades que os exploradores enfrentavam pra sobreviver. Assim, vamos conhecendo, através de uma ficção muito gostosa de ler, um Brasil que fica esquecido nos livros de História ou conhecido só através da literatura clássica.

Falando nela, todo capítulo se inicia com um trechinho de um grande autor. Castro Alves, Fernando Pessoa, Drummond, Gonçalves Dias... Creio que foi uma forma de homenagear o período, os autores, e a própria profissão da autora, que é professora de Literatura.

Doeu demais ler os abusos sofridos pelos escravos e o papel de submissão ao qual a mulher era submetida. E pensar que isso tem reflexo até hoje. </3 Que vergonha da história do país, do pensamento idiota de que branco e homem eram superiores. Nojo define! Marina não apenas deixou isso claro na nota como também fez questão de inserir na história, como característica marcante na personalidade dos protagonistas. Cécile e Fernão eram pessoas que enxergavam além de cores e posses, respeitavam as pessoas com humanidade, independente de quem fossem.

Dessa vez história me prendeu, com um enredo bacana, uma mocinha impetuosa e corajosa e um galã nada convencional. A única coisa chata foi a enrolação que está em quase todo livro de romance: a falta de sinceridade que provoca vários mal-entendidos. Uma atitude é interpretada da maneira errada, uma fala é recebida de forma diferente do que a pessoa quis dizer... E aí se vão páginas e páginas de enrolação que poderia ter sido resolvida com uma simples conversa franca. Ficou meio repetitivo, clichê demais.

Cécile, pode até não parecer, mas possuo um coração e ele às vezes toma as rédeas da minha vida.

Amei a capa - até porque rolou votação, e votei na que ganhou - e a diagramação, foi um trabalho muito bacana da Globo. Também não tenho o que reclamar da revisão, ainda mais porque teve toda uma preocupação com uma versão mais arcaica da língua por conta da época. No meio da narrativa, havia pedaços do diário da Cécile e de cartas que Fernão escreveu pra ela, e esses foram grafados de forma diferente, destaque especial. ♥

A grande lição do livro não é o respeito - apesar de ser importantíssimo -, mas nos levar a acreditar que somos capazes de efetuar mudanças. Cécile não consegui acabar com a escravidão, mas conseguiu fazer diferença para as pessoas que estavam ao seu redor, especialmente pros dois ou três mais próximos. Bora pensar comigo como dá pra melhorar a vida de pelo menos uma pessoa pertinho de nós?

A autora já está escrevendo um spin-off, e dessa vez estou ansiosa por ele. Torço para que mais autores sigam o exemplo da Marina e usem a nossa História como base para suas histórias. Se a Literatura tem o poder de nos fazer viajar, sonhar e aprender, por que não fazer isso de um jeito mais brasileiro? Visitar o nosso passado, conhecer mais a fundo a nossa cultura, entender o hoje olhando pra trás, tudo isso através dessa ferramenta que a gente tanto ama: o livro.

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