
Título: Shakespeare e Elas
Autor(a): Laura Conrado, Lycia Barros e Janaína Vieira
Editora: Autêntica
Nº de páginas: 256
Onde comprar:Submarino | Saraiva | Americanas | Casas Bahia
Nota:
A obra de Shakespeare é eterna. Há praticamente 400 anos vem atravessando o tempo, encantando, ensinando, alegrando e emocionando plateias e leitores ao redor do mundo. Mas foi escrita em outra época, quando os valores, a vida cotidiana, as relações e a linguagem eram completamente diferentes da realidade do mundo moderno. Devido a isso, fora dos círculos acadêmicos, dificilmente os textos originais são lidos. No entanto, a carga emocional que cada história traz é tão forte e tão atual que pode ser encontrada e reconhecida em praticamente qualquer lugar. O que acontece nas peças pode acontecer a qualquer momento, na vida real, com outros nomes e diferentes lugares, pois a natureza humana ainda é a mesma, repleta de ambiguidades, grandezas, alegrias, tristezas, heroísmo e perdição. Com o objetivo de aproximar sua obra do leitor comum e do público jovem, as autoras apresentam neste livro suas versões de três peças de Shakespeare, uma comédia e duas tragédias: Otelo, Sonho de uma noite de verão e Romeu e Julieta.
O grande escritor William Shakespeare já recebeu diversas homenagens pelo mundo, suas obras vivas há séculos. Aqui, três autoras brasileiras o homenageiam com releituras de textos clássicos, colocando uma roupagem moderna e bem brasileira.
Não tenho vergonha de dizer que nunca li Shakespeare, não o original - tenho trauma de clássicos por causa da escola, não gosto da linguagem arcaica e "difícil" de ler. Mas posso sim falar que conheço Shakespeare por tudo que já li e vi adaptado pra modernidade. Uma linguagem mais acessível, situações e personagens mais próximos da minha realidade... E não tenho problema nenhum em só conhecer o reflexo de Shakespeare, posso lidar muito bem com isso. Ok? Então bora pras releituras.
Otelo, o mouro de Veneza
Ao invés de postos no exército, promoções numa grande empresa. Esse é o grande motivo da ruína de Otelo. Um menino negro, que passou dificuldades, mas venceu na vida e hoje é Diretor de Marketing. Ele conseguiu trazer seu amigo Tiago para trabalharem juntos, mas acabou promovendo outro funcionário, até mesmo para evitar fofocas sobre favorecimentos, e tinha outros planos pro cara com quem cresceu junto. Só que Tiago sempre sentiu inveja do amigo e usa o romance de Otelo e Diana para traçar um plano para prejudicá-lo, já que certamente o senador, amigo do CEO da empresa, não aprovaria o romance da filha com um negro, principalmente por causa dos 11 anos de diferença.
Há 400 anos Shakespeare já estava tratando temas importantes, que se estendem até hoje. Inveja e ciúmes são o eixo central da trama, levando pessoas a revelarem o pior de si com artimanhas, intrigas, mentiras e traições. Sempre fico extremamente incomodada com histórias em que as pessoas não falam o que pensam e poderiam ter evitado com uma conversa sincera. Ok, não dava pra imaginar que o amigo de infância ia agir tão friamente, mas dá pra pelo menos dar uma chance pra pessoa que você ama se explicar?
A releitura se manteve fiel à história original, mantendo as relações de poder e os conflitos. E trouxe o racismo pra discussão, colocando a diferença racial e socioeconômica como um obstáculo para o relacionamento de Otelo e Diana. Enquanto ele era o menino pobre e negro que precisa se adaptar ao novo mundo de riqueza, ela é a branca de berço rico que sempre transitou na alta sociedade. Por ela não há problema, mas o pai é bastante preconceituoso. Colocar o racismo desse jeito que é tão presente no Brasil só não foi melhor pela nomenclatura. A autora não escreveu negro, o tempo inteiro usando "eufemismos" que a comunidade negra não aprova, como "mulato" e "pardo". Faltou um pouco de pesquisa e/ou empatia.
Sonho de uma noite de verão
A única comédia da coletânea é escrita pela minha amiga querida Laura Conrado. E eu A-DO-REI a inserção de elementos do folclore brasileiro substituindo fadas, elfos e duendes. Em Bonito, Emílio não aceita o romance da filha Débora com Sandro. Eles resolvem fugir pra não ficar mais sob o controle do pai. Helen, amiga de Débora, gosta de Dênis e conta o plano pra ele, mas ele vai atrás do casal pra ver se consegue impedir a fuga e conquistar a moça. 4 adolescentes na floresta e muitas criaturas fantásticas, como Boto, Iara e Saci. Já viu que vai ser uma confusão, né?
Alguns estudiosos dizem que essa peça foi escrita pra um casamento, ao mesmo tempo que Shakespeare escrevia Romeu e Julieta. De fato, há alguns pontos em comum, mas puxando mais pro lado cômico. Pra ser sincera, não é aquela coisa de morrer de rir, mas já é um alívio pra quem só escreve tragédias. Os conflitos estão bem presentes, tanto nas relações amorosas como familiares, explorando a temática do amor e da descoberta da identidade. A história também nos faz refletir sobre as consequências dos nossos atos, que muitas vezes fogem totalmente do nosso controle.
Além dos personagens folclóricos, amei a história se passar num local pouco explorado pela nossa literatura. Morro de vontade de ir a Bonito, e ler sobre essa cidade fez meu coração bater ainda mais forte.
Romeu e Julieta
A mais famosa história shakesperiana não poderia ficar de fora. Lycia Barros usou Itanhandu, distrito de Pouso Alto - MG, como cenário pra briga das famílias Carvalho Rodrigues, dona de uma mineradora, e Queiroz, políticos da região e defensores da preservação ambiental. A rixa é passada de geração em geração até que Renan Juliana e se apaixonam.
A filha do prefeito passou anos morando fora num internato, agora que voltou o pai tem planos de casá-la com o afilhado político a fim de que se torne a futura primeira-dama. Mas o que ela quer é uma carreira na música, afinal arte é a sua praia, assim como Renan. Ele é pobre e órfão, mas ainda assim um Carvalho Rodrigues, ainda que da parte renegada. Estuda e trabalha na empresa do tio, mas sua vocação mesmo é Letras, poesia. Num evento da cidade, em que Juliana se apresenta, eles se conhecem e rapidamente se apaixonam. Mas as famílias não vão aceitar muito bem.
Com certeza vocês conhecem o final da história, mas vale muito a pena ler e descobrir como a Lycia conseguiu encaixar os elementos originais dessa tragédia nessa nova versão.
Ah! Uma curiosidade... Marina Carvalho ia fazer parte da antologia com Ela é uma fera, mas acabou lançando como ebook pela Novo Conceito. Que pena!
Gostei muito do trabalho da Autêntica. No início de cada texto há um resumo da história shakespeariana e um quadro comparativo entre os personagens originais e novos. Há também ilustrações enfeitando cada texto, fiquei encantada por elas. A capa é um show à parte, não tem como não se sentir atraído por essa mistura de clássico e moderno já à primeira vista.
Recomendo muito pra leitores de Shakespeare, mas também praqueles que, como eu, não curtem os clássicos tanto assim, mas querem conhecer sua essência com uma nova roupagem.
